Referências Simpáticas... algumas pitadas de nossas matrizes estético/ emocionais/ criativas/etc...


Carla Rodrigues - A festa da performance / Dançar uma valsa com o demônio / O século da mulher-sujeito

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Segunda-feira, 19 de julho de 2004

A festa da performance


12.07.2004 | PARATI – Escritores são os leões do circo. O circo, nesse caso, são as duas tendas em alumínio construídas às margens da enseada da cidade histórica fluminense de Parati (RJ), especialmente para receber os 10 mil participantes da segunda edição da Festa Literária Internacional de Parati (Flip). Durante cinco dias, 36 autores de dez países se expuseram ao público lendo trechos de suas obras, respondendo a perguntas de leitores, conhecendo seus fãs caminhando lado a lado pelas vielas de chão irregular. Foram admirados como pop-stars e se transformaram em verdadeiras celebridades das letras. “Escritores são pessoas que escrevem para se esconder, mas que cada vez mais são obrigados a aparecer, falar, estar na TV e nos festivais. Nos transformamos em atores. Somos os leões do circo”, argumentava a espanhola Rosa Montero (foto), autora de “A louca da casa” (Ediouro, 300 págs., R$ 39), participante de cinco a seis festivais literários como o de Parati por ano. A idéia de que festivais como a Flip obrigam o escritor a “sair da toca” foi defendida por Chico Buarque, que dividiu a mesa da noite de sábado com o norte-americano Paul Auster. “Escrever é um ato solitário. Ler é um ato solitário. É bom o escritor sair da toca, por que escritor é um bicho muito esquisito”, disse ele, em resposta a uma pergunta da mediadora e promotora da festa, Liz Calder, que chamou atenção para o fato de que em “Budapeste”, o personagem de Chico diz: “A literatura é a única arte que não exige exibição”.

“Talvez a Flip seja a única exceção”, brincou Chico, reforçando o tema que esteve presente em praticamente todas as mesas: a importância do autor. “A questão mais interessante da arte hoje é a autoria. É esse interesse pelo autor que faz o sucesso da Flip”, explicou Beatriz Resende, professora de Literatura da UFRJ e crítica literária. A curiosidade pelo autor vem acompanhada de uma pergunta aparentemente sem resposta: como se dá, afinal, a mágica do processo criativo de escrever? Presente em todos os debates, a questão do fazer literário mobiliza escritores e platéia por que, segundo Rosa, trata da qualidade da imaginação. “Queria fazer um livro sobre o ato de escrever, mas acabei falando sobre a imaginação que faz de todos nós narradores das nossas próprias vidas”, disse ela. “Todos temos uma imaginação criativa, mas os escritores ‘podem’ admitir a loucura da imaginação”, argumentava Rosa. Em “A louca da casa”, ela trata dessa loucura da imaginação inventando histórias sobre si mesma e, sobretudo, brincando com o leitor em relação ao que é real e o que é inventado. Foi assim que Rosa divertiu a platéia contando sobre a irmã inexistente, a quem seu livro é dedicado, ou sobre supostas lembranças da infância, com as quais ela admite ter aprendido muito mais sobre si mesma pelo fato de serem inventadas do que se fossem reais: “Há verdades tão profundas que só as podemos entender através das mentiras literárias.”

Festas literárias como a Flip permitem a aproximação entre autor e leitor sem a mediação do livro. “O escritor comunica-se com a página. O leitor também comunica-se com a página. O escritor e o leitor comunicam-se apenas por meio da página”, disse a canadense Margareth Atwood (foto), que está lançando “Negociando com os mortos – a escritora escreve sobre seus escritos” (Rocco, 256 págs., R$ 33,00), que trata do tema da autoria: até que ponto o escritor pode ser desvendado através de seus livros? A resposta de Atwood está no capítulo em que ela trata do papel do livro como mediador dessa relação. Para ela, a ligação entre leitor e autor pode tornar-se incômoda se for próxima demais: “Presumimos com demasiada facilidade que um texto existe para fazer a comunicação entre o escritor e o leitor. Mas será que não serve também como um disfarce ou mesmo um escudo – uma proteção?”, questiona. Em Parati, escritores estiveram entregues aos olhos curiosos de seus leitores, que queriam saber por que, afinal, alguém escreve. Tema de dois livros lançados na Flip, Rosa e Atwood, as duas autoras defrontadas com a questão conseguem, no máximo, apresentar uma lista de respostas possíveis, que vão desde “produzir ordem a partir do caos” até um simples “não sei por que não é possível saber”.

Autora de um livro de ficção (O que eu amava, Cia das Letras, 500 págs, R$ 49) que tem as artes plásticas como tema central e claramente influenciado pela filosofia da percepção, Siri Hustvedt foi confrontar Descartes para responder: “Ao invés do ‘penso, logo existo’, acredito que somos formados dentro e através dos outros”, diz ela. Escrever seria, assim, formar-se através de seus personagens e esconder-se neles. Ser escritor, nos cinco dias de festa em Parati foi exatamente o contrário disso, foi expor-se através de seus personagens para saciar a vontade do público de conhecer o impossível: qual é, afinal, o limite entre realidade e ficção.

Rebeldes vozes femininas

O interesse pela autoria esteve presente em praticamente todos os debates. Na mesa que reuniu jovens escritores urbanos, por exemplo, na qual Joca Terron, Marcelino Freire e Daniel Galera discutiram se há como estabelecer pontos em comum na literatura a partir desse recorte de geração. Embora rejeitem o termo “geração”, Beatriz Resende lembra que é importante estar atento para grupos que contenham especificidades. Nesse sentido, ela é uma defensora do termo literatura feminina. “É uma denominação que incomoda. E quando incomoda eu gosto”, provoca ela. Mediado pela jornalista Cristiane Costa, o debate “Vozes femininas” uniu as mulheres contra essa incômoda categoria. “É como se nos enquadrassem numa subcategoria. Nunca ninguém pensou em falar em literatura masculina”, reivindicava a escritora Adriana Lisboa (foto), autora do premiado “Sinfonia em branco”, que lançou em Parati “Um beijo de Colombina” (Rocco, 140 págs., R$ 22). “O que define a literatura feminina é o conteúdo? É o poético, o delicado? Então os homens não podem ser delicados?”, provocou ela.

O protesto mais veemente partiu de Rosa Montero: “Quando uma mulher escreve, está falando de mulheres. Quando um homem escreve, está falando sobre o gênero humano. Mas acontece que 51% do gênero humano são mulheres”. A confusão entre personagem e autora parece aumentar quando um livro escrito por uma mulher tem uma mulher como narradora. Quatro delas se declararam cansadas da confusão e experimentaram trabalhar com narrativas masculinas: Adriana, Atwood, a portuguesa Lídia Jorge e Siri Hustvedt trocaram as vozes narrativas femininas por masculinas. “A voz dos homens sempre teve mais credibilidade”, explicou Siri, que do seu “O que eu amava” escolheu ler um trecho sobre histeria. A personagem Violet está estudando o assunto e discorre sobre casos médicos reais de mulheres que foram diagnosticadas como histéricas, tratadas como loucas, internadas em hospícios e caladas a força, muitas vezes para sempre. Lá se vão apenas pouco mais de 100 anos. A lembrança imemorial dessa voz reprimida justifica o argumento de Adriana Lisboa: “Gosto quando me chamam para falar em mesas femininas. Aceito para ter a oportunidade de dizer que discordo”, protestava ela. “Sempre aceitei participar das mesas sobre literatura feminina nos congressos por que durante muitos anos era a única forma de estar presente”, lembrou Rosa.

A questão da credibilidade, levantada por Siri, é discutida pelo escritor Luiz Rufatto em “25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira” (Record, 368 págs., R$ 39), uma coletânea de contos será lançada nesta segunda-feira, 12, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema (RJ). Rufatto reúne autoras que, de alguma maneira, entraram na cena literária a partir da década de 90. “Não uso a expressão literatura feminina por que não quero reforçar a idéia de que existe a boa literatura e a literatura feminina”, diz. Ao recusar o rótulo, Rufatto explica que o termo dá a idéia de uma especificidade que, na sua opinião, não existe. “Nem temática. O único traço em comum é que as mulheres poucas vezes ousam escrever como homens. Parece uma necessidade de afirmar essa voz feminina que esteve sufocada durante toda a História”, explica.

Aqui, é possível conectar o valor da autoria com a questão das vozes femininas. É dessa junção que duas questões se impõem. Primeiro, é preciso considerar que o incômodo da especificidade da voz feminina pode vir não de sua fraqueza, mas justamente de sua inédita força. Em segundo lugar, vale prestar especial atenção no deslocamento das autoras que começam a assumir a narrativa masculina depois de já terem experimentado a expressão pela voz feminina. As histéricas pesquisadas pela personagem de Siri eram mulheres que só conseguiam afirmar o feminino pela negação do masculino. As autoras que falam como homens estão experimentando a hipótese do filósofo Jacques Derrida: de que é possível afirmar o feminino não apenas pela negação do masculino, mas também pela afirmação do feminino, presente inclusive na ainda hegemônica voz masculina. Carla Rodrigues em Contemporânea



Para ler mais:
O pai do Drauzio
Vida literária 2000
O século da mulher-sujeito
Dançar uma valsa com o demônio
Amnésicos e elefantes


carla@nominimo.ibest.com.br

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Segunda-feira, 19 de julho de 2004

Dançar uma valsa com o demônio

21.06.2004 | "A louca da casa" (Ediouro, 196 pág., R$ 29,90) é o primeiro livro que a jornalista e ficcionista premiada Rosa Montero lança no Brasil. Numa narrativa tão leve que o leitor tem, por vezes, a sensação de estar conversando com a autora na sala de jantar, "A louca casa" trata de um tema caro aos escritores: de onde vem, afinal, a imaginação que move a escrita, a criatividade que faz um autor produzir boas e más histórias? O assunto de forma alguma restringe o interesse do livro ao universo dos que escrevem. Ao contrário, o bom leitor, aquele que aprecia a leitura e reflete sobre o que lê, esse vai se divertir com a prosa de Montero. Até porque, ela começa o livro com uma comparação instigante: um escritor inventa suas histórias da mesma forma que qualquer um de nós cria suas próprias lembranças.

Diz ela: "Nós inventamos nossas lembranças, o que é o mesmo que dizer que inventamos a nós mesmos, porque nossa identidade reside na memória, no relato da nossa biografia. Portanto, poderíamos deduzir que os seres humanos são, acima de tudo, romancistas, autores de um romance único cuja escrita dura toda a existência e no qual assumimos o papel de protagonistas." Essa é a idéia que Rosa e põe em prática em relação ao seu próprio passado: enquanto conversa com o leitor sobre o ofício de escritora, relembra um mesmo episódio três vezes, cada uma de um jeito diferente. Quando, lá pela metade do livro, a segunda narrativa começa, o leitor pode ficar em dúvida em relação à sua própria compreensão da história.

Mas é só lembrar das pistas que Montero deixou pelo caminho para sacar que é impossível saber qual das versões – com desfechos totalmente diferentes, embora com detalhes absolutamente iguais – prevaleceu na realidade. Realidade, aliás, é uma palavra quase proibida ao longo de "A louca da casa". O título vem da denominação que, segundo ela, Santa Teresa de Jesus dava à imaginação. É dessa habilidade de criar, inventar, de "dançar valsa com o demônio", que Montero vai tratar ao longo de quase 200 páginas. "Regressemos assim à imaginação. A essa louca por vezes fascinante e por vezes furiosa que mora no sótão. Ser romancista é conviver felizmente com a louca lá de cima", afirma Montero, numa frase que, como muitas outras ao longo do livro, demonstram a leveza e o bom-humor com que ela discorre sobre seu ofício.

"A louca da casa" não é um exercício pessoal de discutir o próprio processo criativo de Montero. Ao contrário, o livro é recheado de saborosíssimas e curiosas histórias de como escritores, ao longo da história, lidaram, para o bem e para o mal, com o ato de escrever.Com seu jeito informal, Montero expõe ao leitor suas próprias teorias ("eu tenho muitas", avisa ela"), e entre as metáforas que se utiliza para refletir sobre a escrita, uma delas é particularmente instigante: ser romancista é saber que "dentro de nós somos muitos". Para ela, o romance é uma espécie de "esquizofrenia autorizada".

Para ilustrar a idéia, Rosa conta no livro uma história na primeira pessoa – e ela combina muito bem a história da escrita com suas próprias histórias, numa mistura que impede o leitor se sentir lendo uma tese sobre o assunto – , a mesma que ela lerá na mesa da qual participa na II Festa Literária de Paraty, que acontece entre 8 e 11 de julho.

Montero conta como, num dia qualquer do inverno madrilenho, se enfiou dentro de um centro de saúde mental. Depois da experiência, ela garante que, como escritora, foi capaz de entrar ali e saber exatamente como é se internar num hospital psiquiátrico. Ficção ou realidade? Pouco importa, porque o resultado que Montero pretende é exatamente esse: deixar o leitor em dúvida, e ao mesmo tempo valorizar a imaginação como fonte principal de conhecimento, em detrimento da apuração jornalística – profissão que ela exerce – ou do rigor da investigação científica. Para Montero, a "louca da casa" é mais sábia e, portanto, mais capaz de saber como é a vida num hospício.

Na mesa que Rosa vai participar em Paraty o tema em debate é literatura feminina, assunto ao qual ela dedica um delicioso capítulo do livro. Pega a si própria como exemplo e desconstrói uma falsa questão da literatura: existe uma literatura das mulheres? Segundo Montero, essa pergunta ela já teve que enfrentar "mais de mil vezes", seja em entrevistas, seja em debates públicos. A resposta de Montero é certeira: "Quando uma mulher escreve um romance protagonizado por uma mulher, todo mundo considera que está falando das mulheres; mas se um homem escreve um romance protagonizado por um homem, todo mundo considera que está falando do gênero humano".

Nesse aspecto, Montero defende argumento inquestionáveis: as mulheres que fazem literatura escrevem para o gênero humano, não apenas para serem lidas por outras mulheres. E, como lembra a autora, metade do gênero humano é composto de mulheres. Por isso, ela assume seu feminismo – ou, como ela prefere, seu anti-sexismo – para criticar o machismo da cultura oficial. "Nos congressos ainda se fala das escritoras como um capítulo em separado, um paragrafinho anexo à conferência principal", critica ela. Com um discurso firme, nesse capítulo Montero brinda o leitor com o que seu livro tem de melhor: a criatividade de ir contra a corrente sem parecer pedante ou pretensiosa. Porque todos os que escrevem, homens ou mulheres, ficcionistas ou jornalistas, precisam acertar o passo da valsa que dançam com o demônio. Carla Rodrigues em Contemporânea

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Segunda-feira, 19 de abril de 2004

Sexo com ideologia

19.04.2004 | O momento é de retrocesso. Em Genebra, a Comissão de Direitos Humanos da ONU adiou para 2005 o debate sobre a resolução brasileira que propõe o reconhecimento da orientação sexual como um direito. O objetivo era avançar contra toda a forma de discriminação, mas a intenção era principalmente política: reconhecer escolha sexual não apenas como um direito individual, mas como um direito que o estado deve garantir ao cidadão. É com a concepção de que a escolha sexual também é uma forma de enfrentar o poder estabelecido, num jogo político e de resistência, que trabalha a pesquisadora argentina Silvia Delfino, que associa opressão econômica e social à repressão sexual. Professora da área de estudos queer na Universidade Argentina, Silvia esteve no Brasil para participar de seminário internacional promovido pelo Laboratório de Políticas Públicas da Uerj. Nessa entrevista, ela explica como a opressão política se funde na repressão sexual:

Porque a senhora faz essa relação entre opressão política e repressão sexual?

A exclusão social sempre esteve associada à exclusão econômica, que consiste em ter os direitos, mas não poder exercê-los por não ter as condições econômicas para alcançar a educação, o consumo, a produção de bens culturais etc. O problema é que a discussão do aspecto não-natural ou não-biológico dos gêneros permitiu que se estudasse a discriminação, o sexismo e a homofobia como forma específica de opressão. O capitalismo se reproduz através de formas de exploração e através de formas específicas de opressão. Os gêneros são apenas uma delas.

Porque a democracia política não consegue garantir o direito à opção sexual?

Historicamente a democracia só passou a considerar a sexualidade como um direito humano depois da Segunda Guerra Mundial, o que tem a ver com a abertura ideológica que se produz com o capitalismo, que inclui direito à educação, ao trabalho, ao consumo, direito à vida. Quando isso começa, abre-se uma luta ideológica entre esses grupos para alcançar, na prática, esses direitos que a democracia permite no sentido abstrato. Por isso, temos que considerar que, na verdade, essas lutas que estamos experimentando hoje não são nem por direitos, que já estão garantidos de forma abstrata. O único modo de desfrutar da sexualidade como um direito humano é arrebatá-lo, ao invés de normalizá-lo e incluí-lo numa categoria biológica e natural. Os gêneros - que não só o masculino e o feminino, porque existe também a transsexualidade, a bissexualidade, a homossexualidade, os travestis - implica que nenhuma categoria biológica ou sociológica determine a distribuição social dos gêneros. Essa é uma questão complexa, e isso só vai ser conquistado através de muita luta.

Porque o seu grupo de estudos escolheu a designação queer para se denominar?

O termo queer tem a ver com uma palavra inglesa que identificava, até a segunda metade do século 20, alguém que tinha atitudes de sexualidade diferentes ou anormais. Era, então, associado apenas ao tipo "afeminado", ou o que em espanhol se chama rarito. Mas acontece que o termo queer evolui. Por um lado, remete às características de alguém, mas por outro lado, não permite classificá-lo. Por que não se define homossexual, mas sim "diferente." A partir da década de 60, as pessoas começaram a usar o termo queer para se auto-designar, já não para falar de formas de caminhar, ou se vestir, ou para identificar trejeitos de "afeminados", e sim para falar de práticas sexuais. A palavra passou a ser usada como forma de afirmar as diferenças. Ao invés de denominar caracterísitcas, o termo passou a ser utilizado para denominar práticas sexuais distintas. "Eu quero viver de outro modo", esse é o vigor da palavra queer. A partir da década de 80, o termo passou a ser usado nas reivindicações ao estado de pesquisas sobre Aids. Por isso, a palavra queer nega qualquer diferença restritiva.

A senhora tem exemplos do autoritarismo do estado na Argentina em relação à orientação sexual?

Na Argentina, a homofobia, a xenofobia, o horror aos estrangeiros imigrantes e o sexismo estão ocultos debaixo de uma suposta aceitação das diferenças. A Argentina, como uma nação construída fundamentalmente por imigrantes, não teria nenhum tipo de discriminação. No entanto, homofobia, xenofobia e sexismo são práticas cotidianas e ativas em termos de violência tanto na sociedade quanto no estado. A polícia na Argentina tem, como na maioria dos países do mundo, produz perfis de periculosidade que focalizam imigrantes, gays, travestis, especialmente porque os imigrantes, os vendedores ambulantes e os travestis vivem nas ruas. Na Argentina, os travestis são fundamentalmente pessoas expulsas das suas cidades de origem que vivem nas grandes regiões metropolitanas e trabalham nas ruas. Por isso, a repressão policial tem a ver com o uso de espaço público. A experiência com sexualidade no Brasil é muito diferente. O sexismo e a homofobia no Brasil não tem, como na Argentina, o poder de definir a identidade nacional, que está focalizada fundamentalmente no homem branco, imigrante e trabalhador. Tudo que está fora disso está também excluído.

Derrida, Roudinesco e as diferenças

Ainda que tome seu título emprestado de versos escritos por Vitor Hugo em 1835, "De que amanhã... ", o livro que promove o diálogo entre o filósofo Jacques Derrida e a psicanalista Elisabeth Roudinesco (Jorge Zahar Editor, 240 páginas, R$ 39), é montado em forma de entrevista. De um lado, o pensador da "desconstrução", de outro, a mulher que reflete sobre a desorganização das estruturas de gênero e de família, e pensadora sobre a própria ferramenta de reflexão, a psicanálise. É no capítulo entitulado "Políticas da diferença" que os dois debatem a homossexualidade. Roudinesco atribui ao "politicamente correto americano" o que chama de "ingerência na vida privada grave e inútil". Diz ela: "Acho que nossas sociedades democráticas deveriam ser extremamente vigilantes sobre a questão do livre exercício da sexualidade e das paixões amorosas entre adultos." Defensora do Pacto Civil de Solidariedade - espécie de contrato de união civil instituído em 1999 -, Roudinesco coloca em questão todo tipo de controle que o estado possa exercer sobre a sexualidade, é contra o sistema de cotas para mulheres em debate na sociedade francesa, e ainda denuncia uma volta ao que ela chama de "concepção 'maternalocentrista' da femininilidade." "De que amanhã.." discute as profundas incertezas em relação ao futuro, marca indelével do início do século 21. Os dois pensadores tratam de temas atuais como anti-semitismo, pena de morte e liberdade.

Saindo do armário

"As heroínas saem do armário - literatura lésbica contemporânea" (Editora GLS, 190 páginas, R$ 29,00), tem um formato estranho para uma dissertação de mestrado. É publicado em forma de correspondência entre a autora e os mais diversos colaboradores do trabalho, que vão desde a orientadora até a namorada por quem a autora, Lúcia Facco, se apaixona e descobre o desejo de experimentar a homossexualidade. A narrativa entrecortada - ou "heterodoxa", como o orientador da tese, Italo Morriconi Jr., define no prefácio - permite que o livro combine teoria e experiência, fazendo que a parte conceitual seja mais "digerível" pelo leitor comum. O trabalho de Lúcia pesquisa identidade lésbica e homoerotismo em três textos literários: "O poço da solidão". Da escritora inglesa Radclyffe Hall, de 1928, o conto "Aqueles dois", de Caio Fernando Abreu, de 1982, e o conto "Triunfo dos pêlos", de Aretusa Von, de 2000. Engajado, militante, por vezes exageradamente pessoal, "As heroínas saem do armário" é um livro importante se visto dentro do grande movimento de visibilidade lésbica. Porque reúne mulheres e homossexualidade, é ainda a opção que ainda enfrenta maior grau de preconceito na sociedade brasileira. O presidente Lula e sua reação aos termos da cartilha de DST/Aids para travestis e mulheres homossexuais são um ótimo exemplo. Carla Rodrigues em Contemporânea



Para ler mais:
A família em rede
Mulher é um lugar que não existe
Direitos sexuais são para todos
Brasil sai em defesa da opção sexual

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Segunda-feira, 19 de julho de 2004


O século da mulher-sujeito

07.06.2004 | Numa iniciativa da Universidade Federal de Juiz de Fora estará no Brasil em agosto o filósofo Jacques Derrida. Notório pela sua teoria da desconstrução e pela ampla defesa da liberdade, o tema do evento em torno dele tenta dar conta da abrangência do seu pensamento: "Pensar a desconstrução – questões de política, ética e estética". Sua conferência será sobre a questão do negro na África do Sul pós-apartheid. "Na medida do possível, ele vai abordar o tema também em relação ao Brasil e a América Latina", explica Evando Nascimento, que foi aluno de Derrida em Paris e é o organizador do encontro.

O pensamento de Derrida tem papel fundamental em diferentes debates contemporâneos, um deles sobre diferenças de gênero. Publicado em formato de e-book, o livro "As mulheres de Derrida" (download em link abaixo), do professor da PUC paulista Cícero Inácio da Silva, expõe a contribuição do filósofo francês na questão das diferenças de gênero. Não é tarefa simples: trata-se de pensar como as diferenças sexuais podem vir a ser concebidas além da oposição binária entre masculino e feminino.

Diz Cícero: "A mulher e a feminilidade são tidas como sujeitos que passam a ser identificados com algumas características a partir do masculino, tendo atualmente várias questões abertas em relação às suas próprias definições, que estão geralmente pautadas pela questão masculina que as definiu anteriormente". Para o autor, a mulher representa, no pensamento de Derrida, "a pluralidade que rompeu com as certezas únicas, masculinas, e que abriu a possibilidade de várias configurações, específica para cada instante, plural e ao mesmo tempo única a cada momento em que ela se apresenta."

Não confundir com os que defendem para a mulher papel de protagonista na sociedade, apenas substituindo o lugar de poder que antes era masculino. Nada mais machista – ainda que às avessas – do que a idéia de que a mulher é o futuro e a esperança da Humanidade, e que se o poder estivesse em suas mãos veríamos o fim das guerras e da injustiça. As imagens recentes das oficiais norte-americanas ao lado de prisioneiros iraquianos vítimas de tortura são prova incontestável do tamanho dessa tolice.

O que Derrida defende não é o protagonismo feminino contra o masculino, mas o fim da definição do feminino a partir do que não é o masculino. Faz, assim, uma profunda crítica às teorias freudianas que instauram a mulher como sujeito a partir das suas distinções e oposições em relação ao homens. Por isso, embora ainda possa soar estranho, no futuro a sexualidade será definida pela " possibilidade de convivência com as diferenças sem que elas devam ser cerceadas pelos religiosos, filósofos, psicanalistas, sociólogos, ou quem quer que seja que tenha o desejo de destruir o diferente".

A mulher sujeito

Enquanto Derrida desconstrói a idéia de feminino como tudo que não é masculino, outro filósofo francês, Gilles Lipovestsky, aposta que o século 21 será o da mulher sujeito. "A moda e a publicidade influíram positivamente no processo de liberação das mulheres. A pós-modernidade acentua a diferença em detrimento do mesmo," diz o ele no artigo "Sedução, publicidade e pós-modernidade", publicado na coletânea "A genealogia do virtual – comunicação, cultura e tecnologias do imaginário", organizada por Francisco Menezes Martins e Juremir Machado da Silva (Editora Sulina, 278 páginas, R$ 33). Num apanhado de 16 artigos, o texto de Lipovestsky destaca-se pelo debate sobre os efeitos da mídia na sociedade contemporânea.

É por esse caminho que o autor acaba esbarrando na questão da emancipação feminina. O filósofo faz parte da corrente que acredita que o século 21 será das mulheres. "Depois de séculos de dominação cultural masculina, a mulher vai assumir, cada vez mais, lugar de destaque", defende. "A mulher do século 21 será mais emancipada do que já é, atuando na política, na are, na direção de empresas, em tudo, mais do que nunca. Será o século da mulher sujeito", argumenta Lipovestsky. O bom é que, seja pelo caminho de Lipovestsky, seja pelo de Derrida, mulheres possam experimentar o prazer e a responsabilidade de serem donas de suas próprias vidas.

Cinco Marias

Fabrício Carpinejar, 32 anos, é jovem, premiado (melhor livro de poesia em 2003 pela ABL, melhor livro de poesia em 2002 pela UBE), lá de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, ele ajudou a renovar a poesia brasileira, cada vez mais acesa no circuito "alternativo", e que com Carpinejar ganha ares de fenômeno nacional. Em "Cinco Marias" (Editora Bertrand, 124 páginas, R$ 19,00), ele põe sua sensibilidade à serviço do feminino. Primeiro, lembra ao leitor que o título do livro se refere à uma brincadeira de infância: jogar uma pedra para o alto, recolhe uma das quatro, sem encostar nas outras. É como um jogo que o poeta leva o leitor a seguir pelos versos que, de certa forma, também brincam com sentimentos. Sua poesia tem a grande qualidade de ser sempre surpreendente, e no final "Cinco Marias" reserva uma grata surpresa. Até lá, contentem-se com um poema: "Eu fui o que não sou./Depois que inventaram o inconsciente,/a verdade fica sempre para depois".
Carla Rodrigues em Contemporânea


Sites relacionados:
As mulheres de Derrida
Colóquio Internacional Derrida 2004
Fabricio Carpinejar

Para ler mais:
Sexo com ideologia

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