Referências Simpáticas... algumas pitadas de nossas matrizes estético/ emocionais/ criativas/etc...


A histeria e a beleza

A histeria e a beleza: uma expressão no contexto cultural da atualidade
Lilian Freire*

RESUMO


Qual é a relação entre cultura e mulher?, poderíamos perguntar. É esse o conteúdo desta resenha, que visa a propor, como tema de discussão, a hipótese de que a excessiva preocupação com a beleza e a perfeição do corpo é uma forma encontrada pela mulher para exprimir-se na cultura. O investimento no corpo é uma pista que nos leva à histeria como fenômeno de massa, apresentando caricaturas de feminino, que renegam noções tradicionais: bondade, maternidade, fragilidade, morte, pureza, danação, tabu. Diante de tais rótulos, a mulher recua, impondo uma agressividade que lhe foi negada por milênios.


Palavras-chave: Beleza, Histeria, Cultura, Subjetividade.


A histeria, hoje, tornou-se um fenômeno de massa, apresentando-se mais claramente nas caricaturas de feminilidade. Como a primeira e talvez principal temática freudiana, a histeria foi a força motriz da Psicanálise, e Freud, no decorrer de suas investigações clínicas, postulou que mulher e cultura histericizam-se mutuamente.


Nesse contexto, que papel exerce a televisão nessa cena, como principal meio difusor de tantos modelos a serem seguidos pela histeria? Por que a mulher se comporta como um camaleão, disfarçando-se? O que a motiva? Percorremos aqui três caminhos: a relação de Freud com a mulher, o desenvolvimento do conceito de histeria e sua atual configuração e, por fim, a relação da cultura com a mulher, apontando para a histeria como forma de expressão da subjetividade.

A investigação freudiana da etiologia da histeria teve como base a interrogação “o que quer uma mulher?”, dando seus primeiros passos rumo à fundação da Psicanálise. Assoun (1993) considera que Freud não se interessou apenas pelos fenômenos histéricos; seu interesse pela mulher tornou-se uma reflexão sobre as conseqüências da feminilidade na cultura, fundamentado naquilo que escutou na clínica.


Foram as pacientes de Freud que determinaram sua coragem e sua persistência na fundação da Psicanálise. A partir de suas experiências clínicas, Freud pôde abdicar de noções e métodos ineficazes para o tratamento do corpo histérico, antecipando a necessidade de fazer um diagnóstico (se a doença era de ordem orgânica ou psíquica) para aplicar ao doente a terapêutica adequada. Garcia-Roza (1998) sublinha que esta sempre foi uma preocupação para Freud, pois uma confusão de tal ordem comprometeria a Psicanálise.

Em 1889, Freud já considerava, contrariamente a Charcot, que a etiologia da histeria deveria ser procurada nos fatores sexuais. Esse foi o ano em que teve seu primeiro contato com Emmy von N., caso que lhe indicou a importância da fala, da associação livre e da conceituação da histeria como uma neurose com sintomas particulares. Farias (1999) assinala a transformação da clínica no final do século XIX: houve um deslocamento do campo visual – teatralização da histérica observada na Salpetrière – para a escuta.


A grande inovação freudiana, a partir dessa paciente, foi ter levado o doente à posição de primeira pessoa, falando em seu próprio nome. Por fim, Emmy von N. fez com que Freud renegasse a noção de degenerescência que se impunha no conceito de neurose: ele enaltece, em seu relato, sua capacidade intelectual, retidão moral, consciência dos deveres, extensa cultura, amor à verdade, modéstia interior e distinto trato senhorial.


Em 1891, Freud tratou de Elizabeth, que tinha, em sua história, uma sucessão de problemas e frustrações. Logo percebeu que ela sabia as razões de sua enfermidade e que, desse modo, aquilo que guardava em sua consciência era um segredo e não um corpo estranho. Por causa desse saber não sabido, Freud pôde renunciar à hipnose, recorrendo a ela quando a memória de vigília não fosse eficaz para a elucidação dos sintomas.


O que Freud ressaltou aqui foi a natureza da relação entre Elizabeth e seu pai, que a considerava como um filho, prevendo que sua personalidade atrevida colocaria empecilhos para que arranjasse um marido. Para Freud, Elizabeth ganhava em termos intelectuais mas afastava-se da imagem ideal que devia ter uma mulher. Considerava-a pouco conformada com seu sexo e revoltava-se com a idéia de se casar, sacrificando suas inclinações, sua liberdade de julgamento e seus projetos ambiciosos.


Dora foi um marco para a Psicanálise, levando Freud a importantes avanços: descoberta da fantasia como materialidade psíquica, estudo e interpretação dos sonhos e a questão da transferência. Ao mesmo tempo, levou-o a refletir, a partir do fracasso, sobre a impossibilidade de que o analista pudesse atuar apoiado apenas no saber teórico. Postulou, então, que ele deveria partir de um ponto onde o saber não é dado a priori, pois diz respeito a uma verdade do sujeito que se produz no terreno da transferência, no decorrer do tratamento.


Essas três mulheres, como tantas outras pacientes, chegaram a Freud por muitas vias, mas, em geral, pelas mãos de um homem: pai, médico ou marido. De onde vieram essas mulheres histéricas e que conceito poderoso é esse que motivou Freud a fundar um saber?


A particularidade da histeria reside no fato de que coloca o corpo em evidência. Desde a Antigüidade Clássica, a histeria permaneceu ligada à especificidade do corpo feminino, como extensão do exame patológico dos órgãos genitais, perdurando até o século XIX, quando as histéricas se comprimiam nos hospitais. Swain (1986) reflete que a história da histeria pode ser considerada como o confronto entre uma teoria uterina e uma teoria nervosa ou cerebral.


Ao freqüentar as aulas de Charcot na Salpetrière, Freud observou que, nas histórias das pacientes aparecia, sistematicamente, a relação entre histeria e sexualidade. Tal relação, desconsiderada por Charcot, tornou-se o ponto de partida e o núcleo da investigação freudiana. A partir de seu contato com Emmy von N., Freud situou a histeria no âmbito psíquico, considerando-a como uma defesa na medida em que o sujeito produzia sintomas para afastar, da consciência, representações de conteúdo sexual que seriam intoleráveis. Os sintomas, assim, seriam uma substituição aceitável para a consciência devido a sua constituição moral: o conflito ficou explicado entre o sexual e o moral.


Nessa época, Freud já considerava a sexualidade infantil, e para Farias (1993) esse seria o suporte para a teoria da sedução precoce, podendo-se admitir que a sexualidade oculta na situação traumática é de caráter infantil e, mais precisamente, pré-sexual. Suas formulações da histeria como defesa datam de 1892 até 1897, período em que Freud também estabeleceu a relação peculiar que a histérica tem com seu corpo. A sexualidade passou, então, a explicar a histeria.


Essa sexualidade teria origem na infância, podendo ou não tornar-se traumática, dependendo das circunstâncias. Aqui esboçava-se a teoria da sedução: o sedutor teria um papel ativo e o outro seria o objeto passivo da sedução. Freud acreditava que somente com a maturação sexual, localizada na puberdade, a criança poderia dar significado a essas experiências, e postulou o recalque como mecanismo de esquecimento e da ignorância inerentes à criança.


Diante da vivência de situações similares, a criança seria capaz de dar significação sexual às experiências do passado que, ao serem revividas e articuladas à situação atual, seriam experimentadas de forma passiva. A partir da não-aceitação dessa experiência sexual, rejeição motivada pela moralidade imposta pela civilização, as lembranças e sensações seriam recalcadas e os sintomas seriam produzidos como substitutos das recordações e até das sensações de prazer que as acompanhariam.


Nesse contexto, Freud percebeu que a criança era ativa, apelando pela ação do adulto. Ouvindo as histórias dos pacientes, ele pensou sobre o realismo das cenas de sedução e passou a considerá-las como construções imaginárias, designando-as como primeira mentira (proton-pseudos) ou fantasia. A partir daí, a sedução passou a ser compreendida como uma fantasia de “suas histéricas” e a cena sexual deixou de ser fundamental. A fantasia, como materialidade psíquica, entra na determinação do recalque, sendo responsável pela formação do sintoma histérico.


Em 1923, Freud percebeu que não havia correspondência no desenvolvimento sexual do menino e da menina. A oposição seria “fálico-castrada”. Em 1925, ele propôs para a menina a vivência da fase pré-edipiana, caracterizada por uma forte ligação afetiva com a mãe, encontrando no apego ao pai a melhor saída dessa relação primária. Assim, Freud colocou a mãe como protagonista da novela histérica e surgiram em cena a identificação, o falo, o complexo de castração e o complexo de Édipo, sendo que a articulação desses elementos é que compõe a explicação sobre a histeria.


O conceito de histeria, em Freud, é definitivamente desvinculado do hysterus grego, abrangendo mais do que a manifestação demoníaca proposta pelo cristianismo e a encenação fabricada por Charcot. Em relação à histeria, o corpo é fundamental: fonte e base para o desenvolvimento da vida sexual que se inicia logo após o nascimento. Freud (1923/1996) afirmou que, para a criança, não há primazia do genital, mas um primado do falo. A menina, portanto, não reconheceria sua vagina como órgão sexual, mas acreditaria que todos, homens e mulheres, têm pênis.


A histeria se organiza na fase do desenvolvimento da sexualidade que é um foco de sofrimento, já que é desproporcional aos meios físicos e psíquicos da criança. Como a tensão é intensa demais para o eu infantil, a sexualidade torna-se traumática e destinada ao recalcamento. Nessa fase de primazia do falo – precursora da forma final assumida pela vida sexual e já semelhante a ela – a criança se lança em uma investigação, geralmente sobre sua própria origem. Garcia-Roza (1995) explica que Freud designou esse impulso de investigação como “pulsão de saber”. Sua origem está na primeira infância e, no decorrer do desenvolvimento infantil, usa parte de sua energia sexual como reforço, caracterizando-se por uma ânsia inesgotável que leva a criança a perguntar sobre tudo.


Nasio (1991) aponta que é o próprio corpo erógeno da criança que produz o evento psíquico, por ser o foco dessa sexualidade nascente. Para que o frágil eu infantil possa suportar o surgimento de um desejo sexual intenso, surgem, como proteção, fabulações, cenas e fantasias inconscientes. No núcleo da fantasia está o lugar erógeno do qual “jorra” uma sexualidade excessiva, não-genital, auto-erótica, automaticamente submetida à pressão do recalcamento.


Assim, o desejo é o ponto nodal da fantasia que ocupa um lugar estático na vida do neurótico e é através dela que o sujeito constrói sua vida, pautando-se em acontecimentos reais, visto que as fantasias são fabricadas por meio de coisas ouvidas e vistas anteriormente. Segundo Pommier (1991), a fantasia fundamental da histérica pode ser referida aos pontos ternários do complexo edipiano: mãe, falo, criança. A encenação da fantasia significa que a satisfação do desejo está impedida, e isso por culpa de um pai, investido pela menina como portador do falo. Ao perceber que está privada de algo devido à castração simbólica, o desejo surge na menina. Muribeca (2000) assinala que o desejo é uma das significações que o falo tem. É a essa falta do falo que a histérica (mas não somente ela) remete, vivendo uma eterna busca permeada pelo desejo de completude.


A principal causa da histeria estaria na atividade inconsciente de uma representação superinvestida que se desenrola no cenário da fantasia. A cena fantasística é tão real para a histérica quanto a cena traumática ocorrida na realidade, dando forma e figura dramática à tensão desejante. Mesmo sendo fantasiada, essa tensão continua insuportável, favorecendo o aparecimento da angústia. A fantasia fundadora da histeria é o complexo de castração que, em sua versão feminina, é um fato consumado: a menina se vê, vê a mãe e percebe a falta de pênis, culpando a mãe por isso. Volta-se, então, para o pai como objeto de seu amor, em substituição à mãe, esperando que ele lhe dê o desejado pênis. É através dessa relação com o pai que a menina tem acesso à feminilidade.


Mas para que haja essa mudança de objeto é preciso que a própria mãe desloque o seu desejo para o pai. É essa descoberta que permite perceber a falta de pênis e situar o falo como pura diferença, comandando o desejo. Antes de designar o pênis e o clitóris, o falo era o próprio corpo da criança investido pela mãe, razão pela qual a criança acredita tão facilmente que todos o têm. Segundo Pommier (1991), a criança percebe que aquilo que oferece à mãe não lhe convém e que irá procurar em outra parte o que ela não pode lhe dar. Com seu amor, a menina busca dar o falo à mãe e oferece a ela aquilo que lhe falta.


Com os olhos, a menina sente o prazer e o horror de perceber a castração da mãe e a sua própria. Eles seriam o afluente canalizador da libido para o núcleo central que é o falo, para o qual converte toda a energia. O fascínio do olhar que se dirige ao corpo materno está presente na histeria sob a forma do voyeurismo que se converte em uma fixação pulsional. A pulsão que a histérica apresenta de ver e seu oposto, de dar-se a ver, resultaria da visão traumática de seu corpo nu e castrado, num primeiro momento, e do corpo da mãe, num segundo momento. A revolta diante da castração leva a menina a investir esse corpo como sendo o falo e o coloca (o corpo) em primeiro plano, tanto na teatralização de seus sintomas quanto no exibicionismo desse corpo.


Através do olhar do pai, a menina abandona sua ligação com a mãe e pode buscar sua própria história, pois precisa que sua imagem lhe seja devolvida como promessa de mulher. Se esse olhar for muito insistente, a histérica atestará a sedução paterna, mostrando uma hiperfeminilidade. A menina exige do pai uma compensação simbólica por ter sacrificado o amor materno, esperando dele um amor ancorado no desejo. Como clímax da relação entre mãe e filha, a relação com o pai é passional, eco da paixão materna primitiva e cenário fantasístico onde essa paixão pode existir.


Nasio (1991) argumenta que a desordem da sexualidade histérica pode ser vista como conversão somática da angústia que domina a fantasia originária da histérica. Como o objeto perdido da histérica é o falo, ela produz um investimento narcísico no corpo todo, erotizando-o e inibindo a zona genital. Com isso, revive a primitiva ligação com a mãe quando era o falo desta. A histérica aponta para a impossibilidade de sair dessa relação em que era o objeto de desejo do outro (o que explica sua recusa em sê-lo), para buscar o falo e tê-lo.


Nesse contexto, a histérica histericiza o mundo à sua volta, erotizando qualquer expressão humana, que não é necessariamente sexual. Sua sexualidade é infantil, não visando à verdadeira relação sexual. Ela produz sinais sexuais que raramente são seguidos pelo ato sexual que anunciam. Essa sedução tem o mesmo sentido de um gozo masturbatório, e o que ela realmente deseja é que a relação sexual, como desfecho, fracasse, o que lhe garantirá a insatisfação.


A inibição genital, segundo Nasio (1991), se traduz por uma aversão a qualquer contato carnal. Ela se oferece, mas não se entrega, vendo-se presa numa insatisfação que se estende para a totalidade de sua vida. Agarra-se, então, a essa insatisfação, pois ela garante que seu ser não será violado. Nasio explica que, do contato sexual, resulta um gozo que ela percebe como um risco: a penetração, decorrente do ato sexual, significa, inconscientemente, pôr em perigo o falo, essa parte fantasisticamente superinvestida que, se fosse atingida, produziria a desintegração do corpo.


Diante desse quadro, ela não sabe definir se é homem ou mulher, jogando-se numa incerteza. Busca outra mulher com a qual possa identificar-se, solicitando dela a resposta à questão do “ser mulher”. Em um cenário, assim surge o ciúme: há um homem que a deseja e a quem ela se nega; há também a outra mulher que pode dar-lhe a resposta sobre sua feminilidade. Essa outra mulher, além de objeto de identificação, é fantasiada como a grande rival porque é “mais mulher”, podendo tomar-lhe o homem que elegeu como objeto de amor. Ao mesmo tempo, odeia perder esse objeto que a outra mulher tornou-se para ela.


Pommier (1991) considera que a relação entre a mulher e sua imagem é problemática e flutuante e os sinais que apontam para a feminilidade - o andar, a voz, o olhar e a postura - são universais e incontestáveis, mas não afirmam a identidade feminina para a histérica. Buscando essa certeza e esse saber, ela apela para o adorno: roupa, colar, chapéu, tudo que a torne visível, pois é assim que seu corpo, incompleto pela ausência de falo, adquire a necessária concretude para sua existência.


Com relação a esse corpo fantasmático, a imagem do espelho ou de uma foto será inadequada e insuficiente, pois sempre lhe falta algo. A mídia, atualmente, tem feito um apelo para que todos convoquem o que falta, tornando o consumo da perfeição do corpo um fenômeno que abarca o social, extrapolando a neurose individual.


As reflexões de Freud sobre a histeria como defesa contra as exigências morais da civilização renderam frutos e, em 1930, ele postulou que a repressão promove a civilização e que a civilização produz a repressão, indicando uma relação em que neurose e cultura se sustentam. Freud (1930) afirmou que, para ampliar a unidade cultural, a civilização produz tabus, leis e costumes para, através deles, impor restrições em nome da necessidade econômica, visto que grande parte da energia utilizada para fins culturais provém da sexualidade. Nesse sentido, a comunidade cultural começa seu trabalho repressivo nas manifestações da sexualidade infantil, pois seria impossível restringir a vida sexual do adulto, se essa repressão não tivesse seu fundamento na infância.


Assim, a vida sexual do homem civilizado é prejudicada, pois sua importância como fonte de sentimentos de felicidade diminuiu sensivelmente. A civilização utiliza, então, a libido inibida em sua finalidade para unir os membros da comunidade entre si: fortalece as relações de amizade (imprescindível no controle da agressividade humana, que ameaça a civilização de desintegração), incita as pessoas a identificações, a amar ao próximo. Dessa forma, o progresso da civilização e o desenvolvimento da sexualidade estão atrelados.


Em relação à histeria, mais especificamente à histeria na mulher, podemos enfatizar essa relação: a histérica é aquela que – por ação da realidade, da interdição e da lei – se vê impossibilitada de realizar seus desejos condenáveis surgidos na infância. Submete-se às exigências da cultura, mas ao mesmo tempo denuncia a civilização, além de manter a afirmação de sua estratégia de dominação, reconhecida na restrição ao prazer e à pulsão.


A trajetória da mulher é a trajetória da civilização ocidental, em que ela ocupa lugar de destaque na história do mundo, podendo ousar e desafiar. Desde a Grécia Antiga, a mulher está numa posição privilegiada: se não é a protagonista na cena, somente ela é capaz de torná-la possível. Lima da Cruz (1996) explica que o modelo hierárquico da Grécia antiga prevaleceu no pensamento cristão: não havia estatuto da feminilidade e as mulheres eram concebidas como seres inferiores ou imperfeitos, com órgãos sexuais masculinos internos. Isso marcava o apagamento das diferenças, que seria o ideal de perfeição. Na categoria dos imperfeitos, a mulher atingiria a perfeição ao passar para o gênero masculino. Por ser identificada à sexualidade, deveria tornar-se homem para atingir o plano sagrado. Nesse contexto, surgiram as mártires como produto de um modo de pensar que não abarca a diferença sexual, pois a martirização equivalia à masculinização da mulher.


No decorrer do século II d. C., os primeiros cristãos do Ocidente fizeram da renúncia à sexualidade o símbolo do restabelecimento da liberdade humana perdida, já que a sexualidade era o índice da servidão humana. No século XVII, os ideais de igualdade começaram a despontar na Europa e, no século XVIII, houve um questionamento sobre a imperfeição da mulher, já que todos seriam iguais. A diferença sexual foi tematizada e remetida ao plano anátomo-fisiológico. No século XIX, a anatomia patológica determinou que a mulher continuasse confinada a esse universo inespecífico e marginal, por ser incompreensível para a ciência fenomenológica.


Mesmo com a abertura ao organismo, proporcionada pela Medicina do século XIX, a questão ainda permanecia uma só: o discurso. Sua palavra seria a tomada de posição no que tange ao seu lugar na cultura. A feminilidade reivindicaria a produção de sua própria palavra. Branco & Brandão (1989) mostram que, com base no fundamento de que a linguagem estabelece uma ordem hierárquica, aquele que a detém ocupa um lugar privilegiado nessa ordem.


A literatura do século XIX mostra uma figura feminina idealizada e, por isso, inatingível. A personagem é construída no registro do masculino e não coincide com a mulher: em seu lugar fala uma heroína, sempre pronta a ser o desejo do desejo de seu herói. Essa heroína é o modelo de perfeição na beleza corporal ou na virtude pretendida que a coloca como amada, esposa e mãe.


Os contos de fada perpetuam, no imaginário feminino, o mito do amor romântico, que se opõe à autonomia pessoal da heroína adormecida, salva por seu herói. Essa imagem romântica vem alicerçar a representação da feminilidade no século XIX, fazendo ecoar esse conceito até os dias de hoje. A mulher torna-se, assim, a caricatura dessa personagem heróica. Ainda no século XIX, o conceito de feminilidade era tradicionalmente percebido como pólo oposto do masculino.


A mulher tem como trajetória a busca de identidade. Confrontada com o desejo da mãe em sua fase pré-edipiana, ela sempre retoma sua primeira pergunta: “quem sou eu?” O feminino, reprimido pela cultura, é percebido pelas mulheres como uma indefinição. Em sua feminilidade, a mulher denuncia a diferença, despertando o desejo do homem e gerando, como conseqüência, o aparecimento da cultura. O homem busca o poder para vencer o mal-estar que o feminino provoca por essa diferença que lhe aponta para a castração e para o limite.


Manso de Barros (1998) comenta a pesquisa realizada de abril a novembro de 1995 que enfocou quatro revistas para adolescentes. A idéia era verificar a maneira como as representações do sexo feminino, especificamente no processo do tornar-se mulher, são veiculadas. A pesquisa aborda a adolescência como o momento de descontinuidade, quando o sujeito reatualiza suas vivências infantis e depara-se com outras figuras onde se revisar. Nesse sentido, a escola lhe oferece as figuras que encarnam as funções maternas (cuidar, zelar) e paternas (prover, limitar), e exerce um papel fundamental na articulação que ele faz entre a sua própria história e a história da humanidade.


Em atos e pensamentos, a sexualidade toma a cena e revive a vontade de saber infantil. A menina torna-se mulher, cujo imaginário é povoado por informações e estereótipos construídos pela família, mantidos pela escola e, às vezes, reinventados pelas revistas que também os reforçam. É nesse contexto que ela acredita ter, na revista, o oráculo que vai ensiná-la como deve se comportar para ser feminina.


A escola, principalmente de sistema misto, propicia o movimento pulsional, mas não o acolhe nem reconhece o desejo e a diferença que ele introduz, pondo em xeque a identidade sexual que é conseqüência das representações sociais da diferença anatômica. Assim, a questão da identidade feminina, problematizada desde sempre, encontra mais um fator desestabilizador na escola, que se apropria do discurso da igualdade, eliminando a sexualidade e as idéias de desejo e diferença. Diante desse vazio de respostas e da anulação da identidade feminina, a adolescente volta-se para a mídia, buscando ajuda para se definir como mulher. As revistas abordam temas como paquera, desejo, pulsões, de forma ineficaz, e no “tornar-se mulher” propõem imagens do que é ser mulher.


Sodré (1996) coloca o avanço tecnológico como um fator de aceleração da interação social, que põe em crise as noções tradicionais de identidade pessoal. Sua hipótese é de que há uma mutação identitária na atualidade, produzindo monstruosidades: é o conhecido que não pode ser reconhecido devido à fragilidade dos critérios éticos, religiosos, estéticos e psicológicos, altamente transitórios. Como sujeito da mudança, o mutante é o suporte de qualidades passadas (as que vai perdendo) e futuras (as que vai ganhando).


Birman (1999) aponta para isso: o mundo contemporâneo é conturbado e os instrumentos interpretativos do ser humano ficam aquém da rapidez dos acontecimentos. O sujeito não consegue atender às demandas do mundo globalizado e vê-se lançado no desamparo. Nesse cenário, um novo social emerge, onde a fragmentação da subjetividade marca novas formas de subjetivação que se desdobram continuamente, onde o eu é privilegiado.

Autocentramento e exterioridade se conjugam para constituir essa nova subjetividade mutante. Hoje predomina a cultura do narcisismo e do espetáculo, marcada pelo requinte e pela engenhosidade. O desejo toma a direção exibicionista e autocentrada, na qual a intersubjetividade é esvaziada e desinvestida das trocas inter-humanas.


Sodré (1985) supõe que, na criação dos estados psíquicos, a televisão seria dionisíaca por entregar o telespectador a si próprio. O aparelho de TV é o outro que impõe um monólogo de imagens já construídas, deixando pouco à imaginação e, dessa forma, dispersa a atenção, arrebatando visualmente o telespectador: o sujeito vê TV e não o que está na TV. Contínua como o fluxo de consciência, a imagem é dada para consumo, sem maiores apelos ao intelecto.


Plenas de significados, as imagens atingem diretamente a parte menos vigiada do psiquismo, apelando aos prazeres e impondo-se como simulacro da realidade. Há predomínio sensorial, gerando uma tendência à passividade e à aceitação, sem reflexão sobre os padrões e modelos que vigoram no imaginário popular. Esse é um campo fértil para a histericização da mulher, oferecendo modelos, favorecendo identificações, possibilitando a assimilação dos caracteres femininos que respondem aos apelos adolescentes e às reivindicações histéricas.


Nesse campo de imagens falantes, a mulher se vê incluída nas formas de expressão cultural que problematizam superficialmente as eternas questões humanas, por um lado, e oferecem, por outro, a ilusão de amor que a mulher solicita. Aí entram as novelas com belas protagonistas que vivem paixões e lindas histórias de amor, fornecendo modelos de feminilidade, renovados com a mesma rapidez com que são difundidos, gerando homogeneidades.


Segundo Birman (1999), a subjetividade na cultura do narcisismo é caracterizada pela incapacidade do sujeito de admirar o outro em sua diferença, pois está excessivamente preso em si mesmo, vivendo em seu registro especular, e o que interessa é o engrandecimento grotesco de sua própria imagem. Dessa forma, não se produzem singularidades, caracterizando individualidades marcadas pela pobreza erótica e pela mediocridade simbólica, recusando o desamparo.


Essa é a lógica da não-diferença, que leva o sujeito a mostrar-se auto-suficiente e com horror a qualquer diferença. Por isso, produz a exaltação do seu eu e sempre que confrontado com a diferença que o outro representa, tenderá a anulá-lo para manter o equilí-brio narcísico do seu ser. Nesse sentido, o corpo, como fonte das pulsões, tende a ser preservado e como a beleza é uma das representações do falo – este símbolo da pura diferença e do desejo – ela se torna um ideal a ser alcançado.


Sodré (1996) aponta para a tecnologia da cosmética (medicamentos, psicologia euforizante, produtos de beleza, publicidade, etc.) e do corpo, que possibilita uma livre combinatória da identidade pessoal: da mudança de sexo até à montagem de personalidade, de acordo com a moda ou com o gosto pessoal. Portanto, os corpos são socialmente fragmentados. O corpo humano real é negado como insuficiente e só se tem notícia do sofrimento do neurótico “freudiano” (Sodré, 1996, p. 174) – difuso e sem sintomas claros – através do mal-estar dos outros. Nessa subjetividade neonarcísica, a identificação, por sugerir processo e alteração, é mais forte do que a identidade, com seus traços de estabilidade e unidade.


Delineia-se a mútua histericização entre cultura e mulher. Na medida em que a sexualidade é referida pelo primado do falo, a mulher se vê desprovida de identidade, já que o símbolo fálico mais visível é o pênis e a mulher sabe-se privada dele. Freud postulou que, não tendo nada a perder, a mulher seria um elemento perigoso à cultura, anarquizando a ordem e a lei. Por isso ela é tabu social. Sem um símbolo qualquer que lhe garanta sua existência real, a mulher se permite histericizar pela cultura, que lhe oferece as possibilidades de encontrar aquilo que a marque.


Como ser de alteridade, a mulher se vê presa no circuito visual que a cultura construiu para ela. Nesse sentido, a TV e a histérica se encontram especularmente no terreno da civilização: ambas estão presas no “dar-se a ver”, produzindo e reproduzindo homogeneidades, anulando as subjetividades e promovendo o apagamento da diferença. Como instrumento da cultura, a TV vem em seu socorro para histericizar a mulher, ávida por situar-se para si mesma.


Sem essa marca que acalmaria a angústia existencial, a histérica sente-se desprestigiada e morta para o social, sem o valor que é dado ao homem. Nesse contexto, surge a sedução como poder de dominação do outro; ela é privada, mas pode controlar seu entorno com a voz, as roupas (ou a ausência delas), o perfume, seu intelecto, que ora é brilhante, ora deixa a desejar. Investindo o corpo garante a existência do falo que esse mesmo corpo foi, um dia, para sua mãe.


Aqui aparecem os protótipos que povoaram a fantasia infantil: a beleza (pura compensação) ocupando o lugar da privação, hipervalorizada porque a mãe era o ser mais belo do mundo, mesmo quando a aterrorizava com seu corpo fálico. A histérica assimila esses modelos e se apropria de suas características para, em seguida, optar por outro. Dotada de um eu ideal frágil, marcado pela privação e pela insuficiência, a histérica está atenta aos ideais do eu que vai coletando pelo caminho, sempre em busca de resposta para as perguntas que a atormentam: como ser mulher e como fazer-se desejar por um homem.

Como explicou Sodré (1985), a cultura se modifica e se expressa a partir das tradições que existem em seu seio. É disso que a cultura de massa se apropria para se produzir. Portanto, instaura-se uma relação dialética: a cultura tematiza a angústia da mulher diante da castração e histericiza-a, recebendo, como resposta, a reação contrária. É uma relação de passividade e atividade, em que mulher e cultura se alternam continuamente.


A mulher histericiza a cultura com sua própria histeria, que vem da cultura através do controle das moções pulsionais. Como perigo à cultura, a mulher deve ser contida e a neurose é a melhor forma de contenção, pois não permite que a mulher desvie o homem de sua verdadeira função: produzir para a civilização e manter sob controle todas as suas conquistas. A histeria vem como alívio para a civilização, na medida em que impede a mulher de gozar com a relação sexual, pois ela é incapaz de ser o objeto de desejo do homem; seduz mas não se entrega, e fica intocada a necessária energia, retirada da sexualidade, que vai fazer a cultura evoluir.


Conclusão

A relação da histérica com a cultura é um eco da relação existente entre mãe e filha. Esta é uma interpretação possível para a assertiva freudiana de que a relação entre cultura e mulher é de histericização, baseando-se na hostilização mútua. Como elemento desestabilizador da cultura, pois denuncia sua castração (nem tudo pode ser controlado pelas exigências da civilização), a mulher está sempre mostrando a direção da morte e precisa ser domesticada. A melhor forma de calá-la é eliminar a diferença que ela comporta. Para isso, a cultura destrói o feminino que há na mulher.


Embora a mulher seja a melhor representante do feminino, esta é uma dimensão que escapa à diferença anatômica. Nesse sentido, a civilização se vê impelida a histericizar a dimensão feminina existente no homem, que também se submete ao apelo do visual: o homem forte, másculo, musculoso, viril e superpoderoso transformou-se no homem bonito, magro, mas não tanto, definido, mas não muito, delicado, gentil, agradável, educado. É o retorno do cavalheirismo de décadas pré-tecnológicas em contraposição ao homem contaminado pela tecnologia de guerra, que inclui a batalha histérica entre os sexos?


Ao destruir a dimensão do feminino, a cultura tenta afastar a morte. A sofisticação dos bens de consumo, da sociedade e do pensamento humano seria, nesse contexto, outra forma de histericização, desta vez do social? Tecnologia de ponta, dinheiro, conhecimento, evangelização, renascimento das velhas tradições religiosas, não seriam a marca do falo para a cultura, esta unidade mais ampla que não se suporta não-fálica? Freud levantou a hipótese de que o neurótico morre de inveja do perverso que, sem se submeter à lei, tem um supereu domesticado. É o eu pelo eu. Com o inconsciente em silêncio, submete o social. A cultura, construindo a ilusão de que ninguém morre e que ela é eterna, não estaria, como última saída, caminhando para a perversão?


Muitas são as perguntas e as possibilidades de atuação da Psicanálise no social. O que fica, destas reflexões iniciais, é que mesmo dizendo não à mulher, a cultura não pode prescindir de sua presença, porque sem ela, esse público interativo, não se pode criar a ilusão de que é possível ao sujeito viver, pois sabe que já está morrendo ao nascer.


Referências bibliográficas


Assoun, P. L.. Freud e a Mulher. Rio de Janeiro, Zahar, 1993.


Birman, J. Mal-estar na atualidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999.


Branco, L. Castelo & Brandão, R. Silviano. A mulher escrita. Rio de Janeiro, LTC – Livros Técnicos e Científicos, 1986.


Farias, F. R. de. Histeria e Psicanálise, o discurso histérico e o desejo de Freud. Rio de Janeiro, Revinter, 1993.


_______________. Do olhar à escuta – dois paradigmas clínicos. Texto inédito, apresentado à Associação Freudiana de Psicanálise do Rio de Janeiro e à Sociedade de Estudos Psicanalíticos de Juiz de Fora, doc. digit., 1999.


Freud, S. [1893]. “Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: Comunicação Preliminar”. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, volume II. Rio de Janeiro, Imago, 1996.


_______________. (1905e [1901]). “Fragmento da análise de um caso de histeria”. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, volume VII. Rio de Janeiro, Imago, 1996.


_______________. (1923b). “O Ego e o Id”. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, volume XIX. Rio de Janeiro, Imago, 1996.


________________. (1930a [1929]). “O mal-estar na civilização”. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, volume XXI. Rio de Janeiro, Imago, 1996.


Garcia-Roza, L. A. “Irma”. In: Garcia-Roza, Luiz Alfredo. Introdução à metapsicologia freudiana, volume II. Rio de Janeiro, Zahar, pp. 68-79, 1998.


_________________. “Pulsões”. In: Garcia-Roza, Luiz Alfredo. Introdução à metapsicologia freudiana, volume III, pp. 79-163, 1995.


Lima da Cruz, Ana Beatriz. “Histeria e feminilidade no discurso freudiano”. Dissertação de Mestrado (UFRJ). Orientador: Joel Birman, Rio de Janeiro, março de 1996.


Manso de Barros, Rita M. “A adolescência e o tornar-se mulher”. In: FARIAS, Francisco R. de. & DUPRE, Leila (orgs.). A Pesquisa nas ciências do sujeito. Rio de Janeiro, Revinter, pp. 157-82, 1998.


Muribeca, M. das M.M. “A feminilidade e o desejo da mulher”. In: Revista Insight, nº 105, ano 68, abril/2000. São Paulo, Lemos Editorial & Gráficos.


Nasio, J. D. A histeria, teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro, Zahar, 1991.


Pommier, G. A exceção feminina. Rio de Janeiro, Zahar, 1991.


Swain, G. “A alma, a mulher, o sexo e o corpo. As metamorfoses da histeria no fim do século XIX”. In: Birman, Joel & Nicéas, Carlos Augusto (cord.). O feminino: aproximações. Rio de Janeiro, Campus, pp. 13-35.


Sodré, M. A Comunicação do grotesco. Um ensaio sobre a cultura de massa no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985.


_______________. “A mutação identitária”, In: Sodré, M. Reinventando a cultura. Petrópolis, Vozes, pp. 169-79, 1996.



Endereço para correspondência


Lilian Freire

Av. Olegário Maciel, 1899/301 - Jardim Paineiras

36016-011 Juiz de Fora-MG

Tel.: +55-31-3212-5920

E-mail: lujabour@powerline.com.br


* Jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 1992; Bacharel em Psicologia e Psicóloga formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2001.


© 2007 Conselho Federal de Psicologia


SRTVN, Quadra 702

Edifício Brasília Rádio Center

4º andar - Conjunto 4024ª

70719-900 Brasília - DF-Brasil

+55-61 2109-0100


revista@pol.org.br


Continue lendo...

A crise da interioridade

Do homo psico-lógico ao homo tecno-lógico: a crise da interioridade - Paula Sibilia

http://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera07/conteudo_mm_psibilia.htm

Resumo: O artigo aborda um fenômeno contemporâneo, sintetizado em certo declínio da interioridade psicológica que costumava embasar a subjetividade moderna. Acompanhando as fortes transformações econômicas, sociais, políticas e tecnológicas das últimas décadas, hoje ganham relevância alguns elementos contrários à primazia de uma “vida interior” como fator determinante da conformação subjetiva. As aparências, os sinais externos, as formas e as marcas corporais modelam, cada vez com mais força, a definição da identidade dos sujeitos. Florescem, assim, nos ambientes aglutinados pelo mercado global, formas subjetivas ancoradas na exterioridade e na visibilidade. O corpo torna-se um objeto de design, numa espetacularização do eu com recursos performáticos. O texto esboça, também, uma genealogia da idéia de interioridade ao longo da tradição ocidental, focalizando a sua cristalização em certas práticas de expressão e comunicação: os diários íntimos e, mais recentemente, os weblogs.

Palavras-chave: comunicação, psicologia, identidade e tecnologia.

INTRODUÇÃO

Uma pergunta inspirou este texto: há lugar para a interioridade do sujeito numa cultura sustentada na eficácia, isto é, na própria capacidade de produzir efeitos? A resposta é uma hipótese que será apresentada de modo exploratório ao longo destas páginas, esboçando uma explicação possível para um fenômeno contemporâneo: a crise da interioridade psicológica que costumava embasar a subjetividade moderna e a sua instigante metamorfose em andamento. Pois, acompanhando as fortes transformações econômicas, sociais, políticas e tecnológicas das últimas décadas, parecem ganhar cada vez mais relevância alguns elementos contrários à primazia de uma “vida interior” que desempenhe um papel determinante na conformação subjetiva. Fatores como a visibilidade, as aparências, os sinais externos, as formas e as marcas corporais modelam, cada vez com mais força, a definição da identidade dos sujeitos – ofuscando paulatinamente aquele espaço “interno” alojado nas profundezas da alma humana.

Se a sociedade contemporânea é, de fato, uma “cultura sem fundamento”, que dispensa a pergunta pela causa e pelo sentido dos efeitos que ela incansavelmente produz, contentando-se apenas com a sua efetividade, então os enigmas do eu interiorizado – finamente esculpido ao longo da era moderna – perdem sentido e interesse, cedendo cada vez mais terreno àquilo que antes era considerado mero “sintoma visível” das obscuras realidades subjacentes. Assim, na atualidade, percebe-se um deslocamento daquele lócus outrora privilegiado de experimentação da vida subjetiva (a interioridade), bem como a emergência de modos de subjetivação mais afinados com o mundo contemporâneo e com a sua ênfase na eficácia tecno-lógica: subjetividades cada vez mais ancoradas na visibilidade e na exterioridade do corpo, na ligeireza da imagem, na superfície do que se vê, na espetacularização do eu com recursos performáticos e no imediatismo das sensações.

A cultura da “pílula mágica” e do mal-estar tecnicamente ajustável

Para começar a argumentação, pode ser interessante recorrer a uma imagem exemplar. Proponho, aqui, efetuar uma comparação entre dois elementos culturais bastante familiares para nós: o Prozac e a terapia psicanalítica.

O primeiro elemento do par é o remédio mais vendido em todo o mundo. Utilizado como anti-depressivo, o Prozac é um grande sucesso mercadológico na atualidade, comparável ao que algum tempo atrás foram o Lexotan e outros ansiolíticos. Consumidos fora dos limites da patologia clássica para “ficar bem” ou para “manter a performance”, tais medicamentos são expoentes objetivados de um tipo de saber médico atualmente em auge: aquele que se apóia em alicerces biologicistas para explicar todas as arestas do comportamento humano e dos processos mentais. Nas últimas décadas, a progressiva fisicalização da vida subjetiva tem conduzido à medicalização compulsória da existência no Ocidente – basta pensar, por exemplo, na relevância que vêm ganhando certas áreas do conhecimento médico como a genética e as neurociências. Trata-se, precisamente, de um tipo de intervenção tecnocientífica que age sobre os sintomas de maneira ultraveloz e superefetiva, eliminando o mal-estar (psíquico ou físico) que, cada vez mais, é experimentado e expressado como uma mera disfunção a ser corrigida tecnicamente. A performance física ou mental que falha deve ser ajustada.

Por sua vez, o outro tratamento mencionado na comparação acima proposta – a terapia psicanalítica clássica – representa um tipo de saber e de prática médica bastante diferente. Ligada ao paradigma da “interioridade” inerente ao homo psychologicus, tal terapia é longa e dolorosa por definição. Desprezando os meros sintomas, a sua proposta consiste em mergulhar nas misteriosas entranhas da alma humana à procura das “causas profundas” dos sofrimentos psíquicos, das tormentas do espírito e das tragédias existenciais; todos frutos, enfim, da experiência íntima e individual de um sujeito dotado de uma certa “vida interior”. Neste caso, o mal-estar é compreendido de outra forma, como um complicado conflito interno que se distancia da “disfunção tecnicamente ajustável” mencionada no parágrafo anterior. Praticando uma visão bem mais holística e contextualizada, este tipo de saber considera a causalidade múltipla dos processos mórbidos – incluindo a forte influência do ambiente e da história vital e singular de cada paciente – para efetuar o diagnóstico e aplicar o tratamento. Como afirma um especialista em história da psiquiatria, o francês Robert Castel: “Já faz tempo, Sartre denunciava na velha introspecção a tentação de aprofundar em si mesmo até o infinito, para atravessar o espelho no qual a subjetividade se perde através da multiplicidade de seus reflexos”. Na atualidade, porém, segundo o próprio Castel, o objetivo consiste em “obter uma mais-valia de gozo e eficiência mais do que um conjunto de conhecimentos das próprias profundezas” (Castel, 1995, p.9).

O enorme sucesso da nova artilharia psicofarmacológica, por sua vez, veio reforçar um tipo de tratamento distinto, de clara linhagem behaviorista, que busca resolver quimicamente os problemas e costuma ter efeitos imediatos na eliminação dos sintomas. Evitam-se, desse modo, as longas e penosas sondagens nas profundezas da alma. Ao diminuir a relevância dessa esfera “interior”, ligada aos segredos invioláveis da intimidade individual, qualquer tipo de mal-estar passa a ser percebido como uma “falha”, um desvio que pode e deve ser corrigido. Assim, em vez de solicitar a interrogação, a interpretação e o mergulho no interior de uma subjetividade enigmática, as novas vivências demandam explicações técnicas e intervenções corretivas, numa cultura cientificista que privilegia a neuroquímica do cérebro em detrimento daquele denso tecido interno de crenças, desejos e afetos. Com as novas terapêuticas, os pacientes obtêm uma perfeita “mais-valia de gozo e eficiência”, retomando a expressão de Robert Castel.

Claramente, trata-se de duas definições do sofrimento humano, e em cada caso são oferecidas “soluções” diferentes para “resolver” o problema. Do conflito à disfunção, do tratamento psicanalítico às diversas modalidades de intervenção tecnocientífica no corpo que o mercado atual oferece. Uma dessas duas vertentes brotou das ciências humanas características da época moderna (psico-lógicas), enquanto a outra é fruto da tecnociência mais recente: a dos saberes tecno-lógicos que estão dando forma e consistência ao século XXI. Do mesmo modo, ambas focalizam dois tipos de subjetividades diferenciadas, baseadas em definições distintas do que é ser humano. Em síntese, trata-se de dois modelos subjetivos contrastantes, como será analisado nas próximas páginas: o da interioridade (em declínio) e o da visibilidade (em plena ascensão).

Metamorfoses da experiência subjetiva

As subjetividades são modos de estar no mundo. Seus contornos, portanto, são flexíveis e mudam ao sabor da história e das diversas tradições culturais, longe de toda essência fixa e estável. Não se trata, portanto, de algo vagamente imaterial ou que reside “dentro da cabeça”: o corpo é o suporte da subjetividade e a condição de possibilidade da vida subjetiva. Nesse sentido, entidades como o “espírito” e a “alma” são construções de carne. Por isso, afirma-se que a subjetividade é sempre e necessariamente embodied (encarnada em um corpo) e embedded (embebida numa cultura intersubjetiva). Por um lado, certas características biológicas traçam, em todos os casos, o horizonte e os limites da vida subjetiva de cada um. Por outro lado, a pregnância da cultura sobre cada indivíduo também é fundamental, pois toda a experiência é modulada pela interação com o mundo – nesse sentido, na linha de pensadores como Henri Bérgson e Maurice Merleau-Ponty, toda modificação dessas possibilidades de interação acaba alterando também o campo da experiência.

Refinando mais um pouco a abordagem, é possível dizer que a experiência subjetiva possui três dimensões ou perspectivas descritivas: no nível singular, a análise focaliza a trajetória única de cada indivíduo; o nível particular, por sua vez, detecta os elementos comuns a alguns sujeitos mas não a todos eles (a interioridade seria um bom exemplo deste tipo de atributos subjetivos, pois se trata de uma construção histórica); já no nível universal aparecem características comuns a toda a espécie humana, tais como a inscrição corporal da subjetividade e a sua organização por meio da linguagem.

A interioridade faz parte, portanto, de um modo de subjetivação historicamente determinado, que nos últimos três séculos tem vigorado de maneira hegemônica no mundo ocidental. Decorre de uma hipótese da teoria da mente “internalista”, que remete ao teatro cartesiano ou à idéia de um “cinema interno”, que ainda parece tão familiar nas cosmovisões contemporâneas. Seu germe, porém, é bem mais antigo, remontando inclusive à longínqua Alexandria do século I a.C. através do pensamento de filósofos como Sêneca, Epícteto e Marco Aurélio. A hipótese internalista da mente, entretanto, não é a única possível. Existem diversas noções externalistas, inclusive na cultura ocidental moderna, como aquelas que propõem que a consciência subjetiva é um produto da interação social e é nesse espaço intersubjetivo que ela nasce, se desenvolve e permanece, sem “interiorizações” de nenhum tipo. De acordo com este tipo de conceituações – que procuram superar as limitações do dualismo realidade interna/realidade externa – a mente seria uma construção intersubjetiva e, conseqüentemente, “exterior” ao sujeito.

A noção de interioridade, portanto, foi inventada: pertence a um tipo de formação subjetiva que emergiu num contexto determinado e em função de certas linhas de força que lhe deram origem. Como mostra Charles Taylor em seu livro As fontes do self, recorrendo a uma análise exaustiva de textos históricos e antropológicos, “as idéias modernas de interior e exterior são de fato estranhas e sem precedentes em outras culturas e épocas” (p.153). Por tal motivo, essa noção pode ser desmontada e desnaturalizada (apesar da óbvia dificuldade envolvida nessa empreitada) e, inclusive, é possível apresentar a hipótese de que poderia ser substituída por outras invenções. Isso é, precisamente, o que pretende mostrar este trabalho – embora frisando que ainda se trata de um componente fundamental da subjetividade ocidental, cuja força persiste e continua a modelar o mundo.

Uma genealogia da interioridade

Uma das perguntas fundamentais da obra de Michel Foucault se refere à genealogia do sujeito: como se forma uma subjetividade determinada (especificamente, a nossa) por meio de certas práticas discursivas e não-discursivas? Para elaborar uma resposta, o filósofo remonta à Antiguidade clássica e verifica que lá também houve uma certa tematização do sujeito; porém, este habitava o âmbito público e não possuía a experiência daquilo que nós conhecemos como “interioridade”. Assim, por exemplo, no mundo clássico, o sexo não pertencia ao domínio da intimidade; ao contrário, tratava-se de um tipo de comportamento político relacionado com o “domínio de si”, que envolvia a proposta de “ser livre” dominando até mesmo a própria carne. Para demonstrar isso, Foucault compara dois textos – A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, e um livro sobre a interpretação dos sonhos escrito no século III d.C. pelo filósofo pagão Artemidoro – e prova que seus sentidos são bem diferentes. Enquanto o segundo segue o modelo da penetração (o importante é o que cada um faz com os outros), o primeiro segue o modelo da ereção (o que interessa é a relação do eu com seu próprio desejo). É precisamente na obra de Agostinho que começam a surgir as metáforas da introspecção e as exigências do auto-exame perpétuo.

Influenciado por Platão – cujas doutrinas conheceu através de Plotino – Santo Agostinho foi um monge que viveu nos séculos IV e V d.C., habitualmente reconhecido como “o pai da interioridade”. Agostino apresentou uma importante novidade histórica: a auto-exploração como um caminho para chegar a Deus. “Noli foras ire, in teipsum redi; in interiori homine habitat veritas” (TAYLOR, op. cit. pp. 171-172. “Não vá para fora, volte para dentro de si mesmo; pois no homem interior mora a verdade”). Ao olhar para dentro e se conhecer profundamente, seria possível alcançar a verdadeira natureza: o eu como uma criatura. Assim, conhecer a si mesmo passa a ser um imperativo: é preciso fazer uma hermenêutica incessante de si, uma reflexão radical, pois no final dessa busca pode-se encontrar a transcendência.

Fica delineada, desse modo, uma primeira formulação do “interior” do sujeito como o lugar da verdade e da autenticidade, um elemento fundamental da cultura moderna. Na perspectiva agostiniana, por exemplo, o castigo de Deus a Adão foi a distância dele com relação a ele mesmo. Não é difícil inferir que essa dimensão de si que, embora sendo estranha ao eu, está dentro dele é uma idéia da qual é tributária uma infinidade de desenvolvimentos modernos, do romantismo à psicanálise.

Os textos de Agostinho foram retomados no final da Renascença, com um intenso florescimento nos séculos XVI e XVII. Suas idéias prenunciaram o deslocamento para o centro do homem que seria explicitado de maneira definitiva por René Descartes em seu “voltar-se para dentro”. Pois a perspectiva do eu penso (logo existo) não parte do mundo material e exterior – daquele grande “fora” – mas, precisamente, da “interioridade” imaterial da mente. Na tentativa de provar que seria possível atingir a verdade por meio da dúvida metódica, chegando ao domínio de si graças à racionalidade, o filósofo localizava na razão o fundamento da existência do eu. De acordo com a visão cartesiana, Deus continuava a ser a condição de possibilidade do homem; entretanto, as fontes morais do eu foram retiradas dos terrenos divinos e conduzidas para o interior do sujeito. O “voltar-se para dentro” de Descartes, portanto, não visa mais à busca de um encontro com Deus no interior da subjetividade, como era o caso de Santo Agostinho. “O que agora encontro sou eu mesmo: adquiro uma clareza e uma plenitude de auto-presença que não tinha antes”, explica o mencionado Charles Taylor em sua análise do tema, e prossegue: “mas, a partir do que encontro aqui, a razão leva-me a inferir uma causa e uma garantia transcendente, sem as quais minhas capacidades humanas agora bem compreendidas não poderiam ser o que são” (Taylor, op. cit. p. 207). Assim, a idéia de interioridade continua polindo seus contornos, ganhando cada vez mais auto-suficiência junto às capacidades autônomas de ordenamento por meio da razão.

Continuando esta sucinta (e algo errática) viagem genealógica, outra figura do âmbito religioso se impõe agora: Lutero, o monge rebelde que inaugurou o protestantismo no século XVI. Tendo lido a Bíblia e interpretado do seu modo as escrituras sagradas – atividade seriamente proibida pela Igreja na época –, Lutero pregava a liberdade de ler e interpretar os textos bíblicos dispensando toda e qualquer intermediação entre Deus e os homens. Pregando tanto o livre exame da Bíblia como o da própria consciência, o monge rebelde colocou em primeiro plano a responsabilidade individual. Nesse contexto, grande parte dos rituais eclesiásticos perdeu sentido, pois o indivíduo isolado e em contato com a sua interioridade passou a ocupar o centro da relação com Deus. Do mesmo modo, a ética protestante logo permearia toda a cultura capitalista – como assinalou Max Weber ao descrever seu “ascetismo no mundo interior” – disseminando a valorização do trabalho e da disciplina individual, em perfeita sintonia com a formação sociopolítica e econômica que estava sendo conformada naquele período histórico.

Retomando a linha da nossa argumentação, é impossível não mencionar uma figura fundamental para a coagulação da interioridade como aquele lugar misterioso, rico e sombrio, localizado “dentro de nós”, onde despontam e são cultivados os pensamentos, as idéias, os sentimentos e as emoções – em oposição ao mundo exterior e público, composto por tudo aquilo que está “fora” de nós. Trata-se de Michel de Montaigne, quem no século XVI inaugurou um novo gênero discursivo em seus célebres Ensaios, contribuindo para a secularização da idéia de interioridade ao aprofundar as virtudes da auto-exploração por meio da escrita. Nas páginas de sua bela obra, o pensador francês se propunha a atingir o conhecimento de si desdenhando os atributos “universais” do gênero humano para elogiar as singularidades.

Através desse mergulho em sua própria instabilidade interior, em toda a incerteza e transitoriedade de uma determinada experiência individual, Montaigne tentava demonstrar que a condição humana consiste precisamente nisso. Assim, dando vazão a um fluxo de palavras escritas em total solidão, o autor construiu uma auto-descrição que não buscava ser exemplar mas apenas fiel à imperfeição e à ambigüidade do seu eu, procurando “descobrir sua própria forma”, sua originalidade. Significativamente, Montaigne também resgatou o papel da imaginação e da criação do eu na própria escrita: “não fiz mais o meu livro do que ele a mim”, diz o autor a propósito dos Ensaios (Montaigne, Michel. Ensaios. Apud Taylor, op. cit., p. 238). Pois o sujeito moderno não se explora apenas, mas também se inventa usando toda a potência das palavras.

Privacidade e escrita de si

Assim como as atividades introspectivas ligadas à escrita íntima, a leitura em silêncio também foi uma novidade histórica. Inaugurada nos mosteiros medievais por volta dos séculos VI e VII, só se generalizaria bem mais tarde, como constatou no início do século XIII o monge cisterciense Richalm, prior de Schontal, ao relatar a maneira como “os demônios interrompiam sua lectio silenciosa, obrigando-o a ler em voz alta e privando-o, assim, da compreensão íntima”. Os monges cistercienses localizavam a mente no coração, e consideravam o ato de ler indispensável para influenciar o affectus cordis, pois a leitura individual estava ligada inextricavelmente à meditação. Não surpreende, portanto, que um monge do século XII – reconhecido como o autor de uma obra com um título significativo: De interiori domo – tenha aludido à meditação usando a metáfora da “leitura interior” (Chartier, R.; Cavallo, G., 1998, pp.193-194).

O novo hábito de ler em silêncio constituiu tanto um efeito como uma contribuição para a edificação desse espaço interior que passaria a ser o âmago das subjetividades ocidentais. Ler para si, silenciosamente e em solidão era uma atividade propícia para o indivíduo isolado dos outros e do mundo, apenas em contato com a sua própria interioridade – esse espaço que podia e devia ser sondado, interpretado, enriquecido e zelosamente cultivado. Antes, na Idade Média, no auge da leitura ritual e oral, nem os textos nem os autores possuíam a estabilidade necessária às práticas modernas de leitura, pois a palavra lida detinha certa aura sagrada e seus sentidos não eram objetiváveis de forma individual.

A partir dessa popularização da leitura silenciosa e privada, nos séculos posteriores, a literatura floresceu e começou a se converter em um campo fértil para a produção subjetiva. A profusão de relatos impressos que povoou o mundo oferecia aos leitores uma rica fonte de roteiros de subjetivação, a partir da qual podiam tecer identificações com as peripécias e as complexas interioridades dos personagens fictícios. Nesse sentido, como disse o crítico Harold Bloom a respeito da obra de Shakespeare: nós, sujeitos modernos, aprendemos a ser “humanos” com seus personagens, nos reconhecendo nesses modelos dominados por uma profundidade oculta bem no centro da sua “vida interior”. Uma interioridade obscura e impenetrável, que, no entanto, deve ser desvendada laboriosa e dolosamente.

Assim, a indagação do eu foi ganhando importância crescente na cultura ocidental, até se converter numa atividade frenética que instava a empreender fascinantes viagens auto-exploratórias. Muitas vezes, essas investigações e essas descobertas eram vertidas no papel. Como constatam Alain Corbin e Michelle Perrot na passagem da História da vida privada relativa a esta época de intenso “deciframento de si”, o “furor de escrever” tomou conta de homens, mulheres e crianças, imbuídos tanto pelo espírito iluminista de conhecimento racional como pelo ímpeto romântico de mergulho nos mistérios mais insondáveis da alma. A escrita de si tornou-se uma prática habitual no século XIX, dando à luz todo tipo de textos introspectivos nos quais a auto-reflexão se voltava para a sondagem da natureza contingente e singular de cada experiência individual.

Nos últimos três séculos da história ocidental, o âmbito privado da intimidade foi o cenário privilegiado para exercer esse cultivo do eu e da identidade. A esfera da privacidade, como se sabe, e uma invenção relativamente recente: só ganhou consistência na Europa dos séculos XVIII e XIX, quando um certo espaço de “refúgio” para o indivíduo e a família começou a ser criado no mundo burguês, almejando um território a salvo das exigências e dos perigos do meio público que começava a adquirir um tom cada vez mais ameaçador. Em seu livro O declínio do homem público, Richard Sennett analisa esse processo de esvaziamento e estigmatização da vida pública, e o surgimento concomitante das “tiranias da intimidade”. Uma dupla tendência que, de acordo com o sociólogo norte-americano, obedeceu a interesses políticos e econômicos específicos do capitalismo industrial.

Nesse contexto nasceu, também, a casa burguesa, fornecendo um ambiente íntimo e privado, descolado da atividade produtiva, que convidava à introspecção. Como mostra Witold Rybczynski ao reconstruir a história da casa, a idéia de intimidade não existia na Idade Média; a necessidade e a valorização de um certo espaço “íntimo” foram surgindo e se constituindo ao longo dos últimos três séculos. Foi, precisamente, com a paulatina aparição de um “mundo interno” do indivíduo, do eu e da família, que as pessoas começaram a considerar o lar como um contexto adequado para acolher essa vida interior que começava a florescer. Desse modo, as casas foram se tornando lugares privados. Funções específicas e fixas começaram a se definir para os diversos cômodos, aparecendo inclusive os cabinet, “um quarto mais íntimo para atividades privadas como a escrita” (Rybczynski, W. 1991, p.50). Outro historiador, Peter Gay, comenta a importância que começou a ganhar um “sonho de consumo” do século XIX: a possibilidade de se ter “um quarto próprio”, no qual o mundo interior do morador podia ficar à vontade e se expressar – dentre outras formas, através da escrita (Gay, 1992, pp.3744-436). Pois, em contraposição ao protocolo hostil da vida pública, o lar foi se transformando no território da autenticidade e da verdade, um refúgio onde era permitido ser “si mesmo”. A solidão, que tinha sido um estado raro na Idade Média, permitia o desdobramento de uma série de prazeres até então inéditos, a resguardo dos olhares intrusos e sob o império austero do decoro burguês. Nesses espaços impregnados de solidão, o sujeito moderno podia mergulhar em sua interioridade para se conhecer profundamente e narrar o relato do seu eu.

Desvendando a verdade interior do sujeito

Foram muitas as inovações históricas que surgiram nos alvores da Modernidade acompanhando essa fermentação interior da subjetividade. Uma delas é o nascimento da clínica médica, pois ela inaugurou um saber sobre o indivíduo e uma prática que focalizava a experiência de sofrimento de cada pessoa em particular – como assinalou Michel Foucault em seus estudos sobre o assunto. Reconhecendo a singularidade do pathos individual, as doenças começaram a serem compreendidas como encarnações no individuo; o foco, portanto, foi deslocado da doença para o doente. Em seguida, as doenças seriam pensadas e tratadas como desvios da normalidade, com suas raízes fincadas no interior dos corpos individuais. Assim, ao longo da era moderna foram desenvolvidas diversas tecnologias e todo um leque de saberes que legitimavam o mergulho no interior desses corpos, à procura da verdade escondida em sua intimidade obscura e visceral. A “técnica da confissão” é um desses dispositivos, amplamente disseminado pelos mais diversos âmbitos, envolvendo das formas jurídicas às práticas médicas e, sobretudo, à psicanálise.

Nesse contexto, a sexualidade surge como uma poderosa invenção da era moderna. Convém esclarecer que não se trata apenas da atividade sexual concreta, mas de uma certa verdade sobre o sujeito a ela ligada, uma verdade que é interiorizada e passa a significar algo fundamental sobre o que cada um é. Assim, a enigmática sexualidade interiorizada, objeto primordial da psicanálise, passou a constituir o âmago da identidade dos sujeitos. A sua medicalização, portanto, deslocou o foco do ato (sexual) para o ser (sexuado), convertendo aquilo que era um mero comportamento em uma essência internalizada e, conseqüentemente, uma característica constitutiva do sujeito. Assim, o homo psychologicus é um tipo de sujeito que aprendeu a organizar a sua experiência em torno de um eixo situado em sua complexa “vida interior”.

Deslocamentos na definição do eu

A hipótese central deste texto reza que, atualmente, estaríamos vivenciando certas transformações no modo pelo qual os indivíduos configuram a sua experiência subjetiva. Acompanhando as fortes mudanças que estão ocorrendo em todos os âmbitos – compassadas pela aceleração, a virtualização, a globalização e a digitalização – também estaríamos atravessando importantes mutações na definição da subjetividade contemporânea. Essas transformações revelam um certo declínio daquela esfera interior que costumava definir o homo psychologicus, em proveito de outras construções identitárias baseadas em novos regimes de constituição das imagens do corpo e do eu.

Respondendo à expansão das explicações biológicas do comportamento físico e da vida psíquica, hoje é possível perceber um paulatino desbalanceamento na organização subjetiva, uma passagem do mundo abissal dos sentimentos e do conflito inerente ao sentido trágico da vida (com seu denso tecido de regras interiorizadas, transgressões e desejos reprimidos; isto é, o arcabouço da psicanálise clássica), para uma preeminência da sensorialidade e da visibilidade instantâneas. Assim, tendências exibicionistas e performáticas alimentam os novos mecanismos de construção e consumo identitário, numa espetacularização do eu que visa à obtenção de um efeito: o reconhecimento nos olhos do outro e, sobretudo, o cobiçado fato de “ser visto”. Nesse contexto, portanto, evidencia-se o declínio da introspecção à moda antiga, aquela sondagem absolutamente privada nas profundezas enigmáticas do eu com objetivos de conhecimento de si.

Cada vez mais, a subjetividade é estruturada em torno do corpo, que se torna mais um objeto de design epidérmico do que um suporte para um “espaço interior” que deve ser auscultado por meio de complexas técnicas introspectivas. Na cultura da visibilidade e do espetáculo generalizado, os sentidos profundos e os fundamentos sucumbem diante do império da imagem e dos efeitos instantâneos.

Vários traços desse novo modelo subjetivo podem ser enunciados aqui, com o intuito de delinear um primeiro esboço do novo quadro, e com a certeza de que cada um desses fatores exige um exame aprofundado e cuidadoso. Impõem-se, assim, a lógica do impacto nervoso e efêmero, o imperativo do gozo constante e uma certa “ética do sucesso”, a fruição do consumo imediatista, o bem-estar tecnicamente controlado, a performance eficaz no curto prazo, o jogo das identidades descartáveis negociadas no mercado e uma certa gestão empresarial dos capitais vitais de cada indivíduo. Como diz o psicanalista Benilton Bezerra Jr., “se na cultura do psicológico e da intimidade o sofrimento era experimentado como conflito interior, ou como um choque entre aspirações e desejos reprimidos e as regras rígidas das convenções sociais, hoje o quadro é outro” (Bezerra Jr., 2002). No mundo contemporâneo, no qual vigora uma cultura das sensações e do espetáculo, “o mal-estar tende a se situar no campo da performance física ou mental que falha, muito mais do que numa interioridade enigmática que causa estranheza” (idem).

Pois o que é levado em conta para a definição de “identidade” dos sujeitos muda nas diversas épocas históricas. Agora, o comportamento sexual e a sua interiorização parecem pesar cada vez menos na hora de definir a “verdade íntima” de cada sujeito. Quem eu sou não passa mais por essas definições internas e ocultas, mas, de modo crescente, pelos sinais da exterioridade do corpo e da performance eminentemente visível. Ao invés de aprofundar e cultivar os sentimentos mais “íntimos” e “profundos”, o mundo atual estimula a experimentação epidérmica e convida a “colecionar sensações”, a mergulhar na experiência imediata para usufrui-la ao máximo.

Nesse contexto em que tudo é transformado em objeto de consumo e de prazer, o sofrimento se apresenta como um mero empecilho para o gozo. Assim, o sofrimento perde a sua antiga importância moral. Se a anestesia aboliu tecnologicamente essa instância fundamental da “ética do guerreiro”, a experiência da dor física foi esvaziada de sentido e de conteúdo moral; de modo semelhante, pareceria que algo equivalente deveria ocorrer com a dor psíquica, cada vez mais entendida como uma falha, como uma disfunção a ser eliminada. E os mais diversos frutos da tecnociência contemporânea – dos gadgets eletrônicos aos fármacos miraculosos – são oferecidos no mercado com a promessa de amortecer todas as dores e de acolchoar corpos e almas para evitar todo sofrimento. Isso é, ao menos, o que parecem propor as novas tendências da medicina e da psiquiatria baseadas no paradigma fisicalista, que foram emblematizadas pelo Prozac no início deste texto.

Na cultura do bem-estar e da ética do sucesso, o sofrimento é um elemento extremamente perturbador. De modo semelhante, o tédio é uma dimensão da existência que hoje se entende como uma disfunção a ser eliminada. Só a euforia constante é valida, numa era em que a fruição e o prazer tornaram-se obrigatórios e na qual vigoram as “tiranias da felicidade”. Em contraste com o núcleo da psicanálise, hoje a própria idéia de conflito é difícil de suportar.

As novas “escritas de si”: banalidade escancarada?

Em franca oposição ao que acontecia no século XIX com o mencionado “furor de escrever” e a profusão de práticas introspectivas – solitárias e muitas vezes secretas, extremamente íntimas e privadas – que visavam ao conhecimento interior e à paciente escrita de si, atualmente a “identidade” do sujeito se torna “externa”, como assinala Richard Sennett em seu livro A corrosão do caráter. O lema parece ser o seguinte: “você é o que você mostra de si”.

Nesse sentido, pode ser interessante insinuar aqui uma outra comparação entre práticas culturais características de duas épocas diferentes: por um lado, os weblogs e os e-mails – que hoje circulam profusamente pelos meandros digitais da Internet – e, por outro lado, os diários íntimos e as trocas epistolares que, plasmadas em objetos (obviamente analógicos) de tinta e papel, inflamaram as sensibilidades modernas. Ambos os pares de modalidades de expressão e comunicação pertencem a contextos socioculturais e políticos distintos, e remetem a subjetividades igualmente diferenciadas [1].

Se no século XIX tinha-se a sensação de que tudo existia para ser contado em um livro – para lembrar a célebre frase de Stéphane Mallarmé –, hoje a impressão é de que só acontece aquilo que é exibido em uma tela. As possibilidades inauguradas pelos meios eletrônicos como a Internet, que permitem a “qualquer um” ser visto, lido e ouvido por milhões de pessoas – mesmo que não se tenha nada específico ou valioso para dizer – talvez esteja dando conta dessa falta de sentido que marca as experiências subjetivas contemporâneas: uma carência que consegue dotar de valor ao mero fato de se exibir, de ser visível mesmo que seja na fugacidade de um instante de luz virtual.

Nesse novo quadro, os “quinze minutos de fama” previstos por Andy Warhol como um direito de qualquer mortal na era midiática, exprimem uma intuição visionária, porém ainda atrelada a outro paradigma: aquele dominado pela televisão e pelos meios de comunicação de massa no esquema broadcasting. É possível arriscar dizer, então, que as redes informáticas estariam cumprindo – do seu jeito e, talvez, de um modo mais radical do que aquele que Warhol jamais poderia ter previsto – essa promessa que a TV não pôde satisfazer. No entanto, o resultado de tamanha conquista pode ser desapontador, pois tanto os weblogs como as webcams e outras modalidades recentes de “shows da vida” ou reality shows costumam expor cenas da banalidade mais prosaica.

O forte interesse que essas histórias pequenas conseguem despertar hoje em dia, o raro fascínio desses micro-relatos vivenciais expostos nas telas que iluminam (e ofuscam) o mundo contemporâneo, talvez seja a outra face de um fenômeno bem debatido em anos recentes: a decadência dos grandes relatos que organizavam e davam sentido à vida moderna, tanto em nível coletivo quanto no individual, acompanhando o declínio da interioridade como centro definidor da vida subjetiva.

Breve retorno à interrogação inicial

As páginas precedentes tentaram sugerir – valendo-se de comparações exemplares, como as dos pares psicanálise/Prozac e diários-íntimos/weblogs – que hoje estamos vivenciando uma certa mutação na configuração das subjetividades. Essa transição, atualmente em pleno andamento, expressaria uma passagem gradativa do homo psico-lógico para o homo tecno-lógico. Pois as novas práticas culturais parecem perfeitamente afinadas com a cultura contemporânea; uma cultura apoiada em um arsenal tecnocientífico que se sustenta em sua própria eficácia e, por isso mesmo, desdenha toda pergunta pelos fundamentos que a constituem. Nesse contexto, a construção de subjetividades epidérmicas e orientadas para a visibilidade parece desprezar toda pergunta pelo sentido, focalizando apenas os efeitos que são capazes de produzir nos olhos alheios.

Após o percurso textual deste artigo, portanto, a pergunta primeira ressurge aqui: nesses novos corpos que estão sendo construídos na sociedade contemporânea – “corpos superexcitados”, como diria Paul Virilio; corpos ávidos, ansiosos, submetidos ao imperativo da reciclagem visando à fruição constante e ao sucesso eminentemente visíveis – ainda há espaço para aquela interioridade que embasava as subjetividades modernas? Ou, ao contrário, urge pensar quais são os modelos subjetivos que estão emergindo e crescendo nesta nova formação histórica? A pergunta está longe de ser gratuita e envolve uma ampla série de implicações éticas e políticas..

Paula Sibilia é doutoranda da linha de Sistemas de Interpretação do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ.

sibilia@ig.com.br


[1] É o que pretende mostrar o meu projeto de Doutorado, atualmente em desenvolvimento na ECO/UFRJ, intitulado Cartas e Diários. Do manuscrito à Internet: reconfigurações da intimidade e da privacidade.


Bibliografia:

• ARFUCH, Leonor. El espacio biográfico: Dilemas de la subjetividad contemporánea. Bs. Aires: FCE, 2002.

• BERGSON, Henri. Matéria e Memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

• BEZERRA Jr., Benilton. “O ocaso da interioridade”. In: PLASTINO, C. A. (org.). Transgressões. Rio de Janeiro: Contracapa, 2002.

• CASTEL, Robert. La gestión de los riesgos. Buenos Aires: Anagrama, 1995.

• CORBIN, Alain; PERROT, Michelle. “El secreto del individuo” In: ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. Historia de la vida privada, v. 8: “Sociedad burguesa: aspectos concretos de la vida privada”. Madri: Taurus, 1991. p. 121 a 203.

• CHARTIER, Roger; CAVALLO, Guglielmo. Historia de la lectura en el mundo occidental. Madri: Taurus, 1998.

• DESCARTES, René. Meditaciones metafísicas. Navarra: Folio, 1999.

• FERRER, Christian. “La curva pornográfica: El sufrimiento sin sentido y la tecnología” In: Artefacto, pensamientos de la Técnica, Buenos Aires: UBA, v. 5, primavera 2003.

• FOUCAULT, Michel e SENNET, Richard. “Sexualidad y soledad” In: ABRAHAM, Tomás. Foucault y la ética. Buenos Aires: Ed. Biblos, 1988.

• FOUCAULT. O nascimento da clínica. Brasília: Forense Universitária, 1998.

• FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

• FOUCAULT. La hermenéutica del sujeto. México: FCE, 2002.

• GAY, Peter. “Fortificación para el yo” In: La experiência burguesa, de Victoria a Freud, v. 1: “La educación de los sentidos”. México: FCE, 1992. p. 374 a 426.

• LEMOS, André. “A arte da vida: diários pessoais e webcams na Internet” XI COMPÓS. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, 2002.

• MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

• MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Brasília: UNB, 1987.

• ROLNIK, Suely. “Toxicômanos de identidade: Subjetividade em tempo de globalização”. In: LINS, Daniel (org.). Cadernos de Subjetividade. Campinas: Papirus, 1997.

• RYBCZYNSKI, Witold. “Lo íntimo y lo privado; La domesticidad”. In: La casa. Historia de una idea. Buenos Aires: Emece, 1991.

• SENNETT, Richard. O declínio do homem público: Tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

• SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999.

• SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

• TAYLOR, Charles. As fontes do self: A construção da identidade moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 1997.

• VIRILIO, Paul. Do super-homem ao homem superexcitado. A Arte do Motor. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

• WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1999.



Continue lendo...
 

  ©Template by [ Ferramentas Blog ].

Voltar ao TOPO